“Modelos” da Vida Real
[1]Por
Elza Sueli Lima da Silva
Nunca podia
imaginar que existisse dinamismo em ações rotineiras. Lá estava ela, D. Márcia,
todos os dias no mesmo horário, no mesmo local, na mesma posição a olhar,
curiosamente, para os transeuntes que por ali passavam. Ou será que aquele
olhar fixo estava voltado para dentro dela mesma, num processo de autoanálise?
Não sei ao certo.
Para que a
dúvida fosse sanada, resolvi me aproximar de D. Márcia e questioná-la sobre
aquela atitude, aparentemente, trivial. Porém, apenas uma resposta não foi
suficiente. Era preciso estar ali com ela, todos os dias, percebendo o movimento
dinâmico da rotina.
Apressados,
emburrados, vagarosos, animados, comportados, sorridentes, introspectivos, mal-humorados,
extrovertidos, elegantes, tagarelas, desengonçados, silenciosos, entediados, perfumados,
satisfeitos, tristonhos, malcheirosos, esguios, animados, corpulentos,
enamorados... Eles e elas, os “modelos” da vida real, que despertavam em D. Márcia
as mais variadas e inusitadas expressões faciais.
Nariz enrugado, sobrancelhas
abaixadas, olhar desviado, mas com um certo sentimento de pena. Nojo, desprezo,
indignação eram perceptíveis em D. Márcia quando passara aquele “modelo”
maltrapilho.
De repente, um
olhar desviado para o chão como se o percebesse movimentando-se. Era um
sentimento de aversão àquelas pisadas de um “modelo” corpulento. Todavia, não
expressava satisfação ao ver os “modelos” esguios.
O exagero no
vestir, seja pela escassez, seja pelo excesso, era algo que incomodava D. Márcia,
extraindo-lhe balbucios de reprovação. Ao contrário dos “modelos” elegantes que
a alegravam, os vulgares ou extravagantes arrancavam-lhe o menosprezo.
Enamorados, ligados
pela afeição, um só corpo. Para D. Márcia, aqueles “modelos” exibiam um
contraste como o sol e a lua, o dia e a noite. Para ela, o amor não transpõe
barreiras, não supera as diferenças de raça, de classe social, de ideologia.
O balançar da
cabeça de D. Márcia, para lá e para cá, expressava censura àquele movimento
ziguezagueante daquele jovem ou ancião cuja alcunha era Grogue. As feições
tristes e endurecidas pelo tempo e pelo sofrimento não nos permitiam identificar
a faixa etária dele; apenas era perceptível o comportamento peculiar à
embriaguez.
A observação de
D. Márcia transcendia a aparência física. O olhar dela não deixava escapar cada
gesto, cada expressão, cada balbucio emitido pelos caminhantes. A pura
observação não a satisfazia, era preciso externar comentários, críticas;
demonstrar os mais variados sentimentos e expressá-los por meio de caras e
bocas.
A compreensão
das emoções transparecidas no rosto de D. Márcia nos diz mais do que as
palavras. Apesar de a diversidade ser inerente ao comportamento humano, há uma
busca incessante pela homogeneidade e por aquilo que se adequa ao nosso projeto
de mundo, excluindo dele o pensar acerca da motivação implícita em cada ação,
em cada comportamento, em cada sentimento daqueles transeuntes.
Quem ousa julgar
D. Márcia? Ninguém. Pois todos nós - um pouco mais, um pouco menos - agimos,
pensamos e sentimos como ela.
[1]
Professora
de Língua Inglesa e Língua Portuguesa da Educação Básica com vínculo na Rede
Estadual e Municipal de Feira de Santana-Ba. Graduada pela Universidade
Estadual de Feira de Santana em Licenciatura em Letras com Inglês. Pós-Graduada
também pela Universidade Estadual de Feira de Santana, bem como, pela
Universidade Estadual da Bahia em Educação.
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